A boa notícia é que Woody Allen está decadente


“Vamos para Oviedo.
Lá comeremos pratos deliciosos,
beberemos vinho
e faremos amor”.

Sabem que dia é amanhã? Primeiro de dezembro, mais conhecido como “aniversário de Woody Allen”, pela septuagésima terceira vez. Fuçando na net descobri que desde “Neblina e Sombras”, lançado há dezessete anos, o velho Woody solta um filme por ano. E só naquele ano de 92 foram dois. É uma conta feia, soa como produção em série e é disso mesmo que os grandes intelectuais acusam Woody. Chamam-no decadente,taxam-no comercial, elegem-no rei sociedade do espetáculo.

Calma lá! Os quatro últimos longas de Woody formam sua nova “fase européia”, três na terra da Rainha (“Match Point”, “Scoop”, “O Sonho de Cassandra”) e agora Vicky Cristina Barcelona, filmado na terra do Rei. Os entendidos dizem que esses filmes são lixo. Citam Annie Hall, Manhattan, Bullets over Broadway dentre outros. A lista varia um pouco, mas em geral tudo que é bom data somente de antes de eu ter nascido.Azar o meu.

Normalmente Cassandra’s Dream, Scoop , Melinda and Melinda, Anything Else , Hollywood Ending, The Curse of Jade Scorpion e todos os recentes são taxados de bobagem decadente e comercial. Pow, se isso é lixo eu quero ser Estamira!! Filmes alegres, com piadas inteligentes, personagens ricos e histórias divertidas são comerciais, desprezíveis? Deixando de lado o derby comércio x arte, vamos lá, não tem como ignorar que Woody está acima da média em tudo que faz. Pode não ser sempre perfeito (cite um diretor que seja) mas é referência de vida inteligente em qualquer assunto de que trate. Lembrem-se que no meio de tanto açúcar, o cara  cometeu com frieza de aço o amargo (e delicioso) Matchpoint. Só alguém muito corajoso para meter o pau nesse filme.

Woody é ruim, né? Só a Folha, na caneta de Silvana Arantes , lançou uma reportagem sobre “Vicky”, uma crítica de Inácio Araujo e também uma resenha de Sérgio Rizzo. No Estadão,Luiz Carlos Merten o analisa, Bob Tourtellotte (who?) o entrevista via Reuters e até o caderno de viagem se inspira no novo filme. No Orkut as discussões são calorosas e nos blogs relacionados não se fala em outra coisa. Até Vargas Llosa soltou que “Coroado como ícone é Woody Allen, que está para um David Lynch ou um Orson Wells como Andy Warhol para Gauguin”. Não é um elogio, claro, mas falou. Se o cara é descartável há tanto tempo por que todos continuam  se enganando dando-lhe atenção? Por ser bonitão ou politicamente correto em suas relações familiares é que não é.

Tem um texto do Daniel Pisa que é suficientemente emblemático. De cara, o maluco já sai atirando : Vicky Cristina Barcelona , blábláblá,“é esquemático e esquecível”, mas alguns toques à frente solta um “exceto por algumas poucas falas e cenas”. Reclama do clichê no “contraste entre as culturas latina e saxônica” e do “registro turístico com que mostra a cidade”, mas assume que “o título do filme é bacana por sugerir que Barcelona é como a terceira mulher na história, que seus encantos abriram outras formas de existência na cabeça monoglota das duas americanas”.Nada é suficiente, né?

Cristina é a mais interessante como personagem: ela é aberta a experiências, a ouvir seus impulsos, e isso inclui perceber que depois de um tempo é hora de partir para outra. Ela não é medrosa como Vicky nem neurótica como Maria Elena; talvez esteja condenada à insatisfação, mas pelo menos sabe o que não quer”. Pense rápido, em quantos filmes lançados em 2008 os personagens atingem essa profundidade?

Tudo bem, a exemplo do que aconteceu comigo quando vi REC (terror espanhol que me pareceu absolutamente convencional, provavelmente pelos relatos animadíssimos do Daniel e da ) acabei lendo um pouco demais antes de ver o filme e acho que por isso me decepcionei um pouco. Ontem mesmo conversava com a muié sobre o tal cartão-postal-filmado-de-barcelona assinado pelo Woody. Tudo bem, a narração é chata, a música é repetitiva, as piadas rarearam e a história não é tão criativa assim, mas há muito mais ali.Woody é bom mesmo quando é ruim.

Na saída do filme você ainda não sente isso, mas depois vai administrando até perceber. VCB é só um conto rápido, simples e direto sobre pessoas que convivem com seus desejos e anseios não realizados, sobre personas, fraquezas e seres humanos (ainda que demasiado humanos).Ele começa onde termina, com as pessoas levando suas vidas, cada um à sua maneira, desempenhando seus papéis imperfeitos. Tão imperfeitos quanto o filme, que só por isso já merece ser visto.O resto é só o embrulho. O filme não precisa valer além dos dez reais que pagamos por ele.

E o velho Woody  é isso aí mesmo, como ele mesmo gosta de lembrar nas entrevistas. Na última que li, o diretor contava que um dia desses ao voltar para casa, mesmo depois de ser aclamado por Love and Death, a garota do apartamento em frente não quis sair com ele. O cara lamentava, pois ficou em casa sozinho, comendo comida chinesa diretamente da embalagem, sem nada a fazer exceto assistir à televisão. E arremata: O sucesso nunca significa nada.

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